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a Modéstia, e excluamos este livro; fiquem só os grandes livros épicos e trágicos, a que a
Discórdia deu vida, e digam-me se tamanhos efeitos não provam a grandeza da causa. Não, a
discórdia não é tão feia como se pinta.
Teimo nisto para que as almas sensíveis não comecem de tremer pela moça ou pelos rapazes.
Não há mister tremer, tanto mais que a discórdia dos dous começou por um simples acordo,
naquela noite. Costeavam a praia, calados, pensando só, até que ambos, como se falassem
para si, soltaram esta frase única:
 Está ficando bem bonita.
E voltando-se um para outro:
 Quem?
Ambos sorriram; acharam pico ao simultâneo da reflexão e da pergunta. Sei que este
fenômeno é tal qual o do capítulo XXV, quando eles disseram da idade, mas não me culpem a
mim; eram gêmeos, podiam ter o falar gêmeo. O principal é que não se amofinaram; não era
ainda amor o que sentiam. Cada um expôs a sua opinião acerca das graças da pequena, o
gesto, a voz, os olhos e as mãos, tudo com tão boa sombra, que excluía a idéia de rivalidade.
Quando muito, divergiam na escolha da melhor prenda, que para Pedro eram os olhos, e para
Paulo a figura; mas como acabavam achando um total harmônico, era visto que não brigavam
por isso. Nenhum deles atribuía ao outro a cousa vaga ou o que quer que era que principiavam
a sentir, e mais pareciam estetas que enamorados. Aliás, a mesma política os deixou em paz
essa noite: não brigaram por ela. Não é que não sentissem alguma cousa oposta, à vista da
praia e do céu, que estavam deliciosos. Lua cheia, água quieta, vozes confusas e esparsas,
algum tílburi a passo ou a trote, segundo ia vazio ou com gente. Tal ou qual brisa fresca.
A imaginação os levou então ao futuro, a um futuro brilhante com ele é em tal idade.
Botafogo teria um papel histórico, uma enseada imperial para Pedro, uma Veneza republicana
para Paulo sem doge, nem conselho dos dez, ou então um doge com outro título, um simples
presidente, que se casaria em nome do povo com este pequenino Adriático. Talvez o doge
fosse ele mesmo. Esta possibilidade, apesar dos anos verdes, enfunou a alma do moço. Paulo
viu-se à testa de uma república, em que o antigo e o moderno, o futuro e o passado se
mesclassem, uma Roma nova, uma Convenção Nacional, a República Francesa e os Estados
Unidos da América.
Pedro, à sua parte, construía a meio caminho como um palácio para a representação nacional,
outro para o imperador, e via-se a si mesmo ministro e presidente do conselho. Falava,
dominava o tumulto e as opiniões, arrancava um voto à Câmara dos Deputados ou então
expedia um decreto de dissolução. É uma minúcia, mas merece inseri-la aqui: Pedro,
sonhando com o governo, pensava especialmente nos decretos de dissolução. Via-se em casa,
com o ato assinado, referendado, copiado, mandado aos jornais e às Câmaras, lido pelos
secretários, arquivado na secretaria, e os deputados saindo cabisbaixos, alguns resmungando,
outros irados. Só ele estava tranqüilo, no gabinete, recebendo os amigos que iam
cumprimentá-lo e pedir os recados para a província.
Tais eram as grandes pinceladas da imaginação dos dous. As estrelas recebiam no céu todos
os pensamentos dos rapazes, a lua seguia quieta e a vaga da praia estirava-se com a preguiça
do costume. Voltaram a si ao pé de casa. Tal ou qual impulso quis levá-los a discutir acerca
do tempo e da noite, da temperatura e da enseada. Algum murmúrio vago pode ser que lhes
fizesse mover os beiços e começar a quebrar o silêncio, mas o silêncio era tão augusto que
concordaram em respeitá-lo. E logo acharam de si para si que a lua era esplêndida, a enseada
bela e a temperatura divina.
CAPÍTULO XXXVII / DESACORDO NO ACORDO
Não esqueça dizer que, em 1888, uma questão grave e gravíssima os fez concordar também,
ainda que por diversa razão. A data explica o fato: foi a emancipação dos escravos. Estavam
então longe um do outro, mas a opinião uniu-os.
A diferença única entre eles dizia respeito à significação da reforma, que para Pedro era um
ato de justiça, e para Paulo era o início da revolução. Ele mesmo o disse, concluindo um
discurso em S. Paulo, no dia 20 de maio: "A abolição é a aurora da liberdade; esperemos o
sol; emancipado o preto, resta emancipar o branco".
Natividade ficou atônita quando leu isto; pegou da pena e escreveu uma carta longa e
maternal. Paulo respondeu com trinta mil expressões de ternura, declarando no fim que tudo
lhe poderia sacrificar, inclusive a vida e até a honra; as opiniões é que não. "Não, mamãe; as
opiniões é que não".
carta.
 As opiniões é que não. repetiu Natividade acabando de ler a carta.
Natividade não acabava de entender os sentimentos do filho, ela que sacrificara as opiniões
aos princípios, como no caso de Aires, e continuou a viver sem mácula. Como então não
sacrificar?... Não achava explicação. Relia a frase da carta e a do discurso; tinha medo de o
ver perder a carreira política, se era a política que o faria grande homem. "Emancipado o
preto, resta emancipar o branco", era uma ameaça ao imperador e ao império.
Não atinou... Nem sempre as mães atinam. Não atinou que a frase do discurso não era
propriamente do filho; não era de ninguém. Alguém a proferiu um dia. em discurso ou
conversa, em gazeta ou em viagem de terra ou de mar. Outrem a repetiu, até que muita gente a
fez sua. Era nova, era enérgica, era expressiva, ficou sendo patrimônio comum.
Há frases assim felizes. Nascem modestamente, como a gente pobre; quando menos pensam,
estão governando o mundo, à semelhança das idéias. As próprias idéias nem sempre [ Pobierz caÅ‚ość w formacie PDF ]

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